Vivem me perguntando por que escrevo crônicas? Sempre respondo tal indagação descrevendo a minha experiência prazerosa de despir-me do paletó-e-gravata, de caminhar descalço pelo fundo do quintal de casa e libertar-me, semanalmente, da posição correta diante dos grandes problemas que a vida universitária exige enfrentamento. Escrever crônica é uma espécie de transformação num cigano errante a transitar entre o mundo sensível ao meu redor e o imaginário que os fatos narrados geram em mim. E, assim, a crônica se aproxima mais de um exercício de espírito livre do que de uma análise objetiva dos fatos. Como diria Carlos Drummond, “uma espécie de loucura mansa, que desenvolve determinado ponto de vista não ortodoxo e não trivial e desperta em nós a inclinação para o jogo da fantasia, o absurdo e a vadiação de espírito”. Sei que para os puristas, a crônica é um “gênero menor”. Para outros, nem mesmo é literatura, é jornalismo, o que sacode a redação dos jornais: “Nem pensar, não vem não! A escrita de uma crônica não tem compromisso algum com a limpidez dos fatos e o apego à verdade, princípio central do trabalho jornalístico”, diriam muitos jornalistas. Polêmicas a parte, Clarice Lispector nos diria que a confiabilidade das crônicas não vem do rigor informativo, mas da honestidade subjetiva e da integridade poética com que o cronista compartilha suas visões. Talvez seja por isso que as crônicas continuam sendo publicadas nos jornais (o que já pode ser considerada uma tradição da imprensa brasileira) construída pelo trabalho incansável de muitos escritores, como Rubem Braga, Rachel de Queiroz, Fernando Sabino e muitos outros.
É a escrita desse time de peso que não deixa dúvidas de que a crônica é um gênero literário. Não é ficção, não é poesia, não é crítica, e nem ensaio, ou teoria — é crônica. Diria Martha Medeiros: “Benditos os que conseguem se deixar em paz. Os que não se cobram por não terem cumprido suas resoluções, que não se culpam por terem falhado, não se torturam por terem sido contraditórios, não se punem por não terem sido perfeitos. Apenas fazem o melhor que podem”. O seu valor está menos no que informa e mais no que desperta: reflexões suaves, sorrisos surpresos, lampejos de sentido onde aparentemente não há nenhum.
Desejo apenas a leveza da escrita, o informal, o ligeiro. Um pé aqui, outro acolá. Alguém que eia pelo mundo sem pressa de concluí-lo, um “flâneur das palavras”. Desabafo: praticar a crônica não é fácil não.