Naquele endereço da Avenida Washington Luiz, número 501, existia uma casa onde o ferrolho era um desconhecido. Ficou conhecida como a "casa de portas abertas". Ela respirava em sinfonia com os sete corações juvenis que pulsavam como notas vibrantes, e o como era marcado pela melodia incessante das idas e vindas. Seu Ilem, nômade dos negócios, colecionava poeira de estradas e na solidez da sua fé estava sempre pronto para combater o bom combate, enquanto Da. Mariana, com a doçura de uma regente, conduzia a orquestra familiar. Sete filhos, um concerto espontâneo: Sérgio, Teco, Persio, Roy, Cássia, Mariza e o pequeno Ilenzinho, cada um, um timbre único na melodia daquele lar.
A casa de portas abertas não era mera alvenaria; era um ser vivo, a palpitar em afeto e a vibrar em risos soltos, por vezes, deliciosamente dissonantes. O humor era primordial que ia lavando as pequenas desavenças e transformando tropeços em danças inesperadas. E a música... Ah, a música era a alma etérea da casa! Desabrochava num batuque na cozinha de Martinho da Vila ou na voz divina da cantora libanesa Fairuz, a voz do Oriente. O canto, a dança, os risos e uma vitrola com seus long plays a murmurar canções antigas, dos cantos que floresciam enquanto mãos preparavam a mesa.
Os amigos chegavam como ventos amenos, buscando abrigo e calor naquele ninho fraterno. Traziam consigo retalhos de outros mundos, que se entrelaçavam na tapeçaria daquele convívio. A rua, uma tela onde nos sentávamos a contemplar o fluxo da vida, como se fôssemos parte da mesma correnteza. A porta não conhecia a prisão da tranca, escancarada como o peito que ali residia. Aberta a casa, aberto o coração.
Naquele ventre acolhedor, aprendi que o lar reside não nos limites físicos, mas nos laços invisíveis que nos enlaçam. Que a verdadeira fortuna se encontra na singeleza de uma porta que se entrega, de um sorriso que ilumina, de uma canção que embala. Seu Ilem e Da. Mariana, cada um a seu modo, bordavam uma tapeçaria num ambiente de ternura, envolvendo seus filhos e todos os amigos que sentiam que ali a Da. Mariana era a mãe de todos.
Hoje, a casa de portas abertas da Avenida Washington Luiz, número 501, veste o branco asséptico de um laboratório da Unimed. O tempo, rio inexorável, transforma a paisagem. Tudo muda, tudo a. Mas enquanto a memória pulsar, a imagem daquela casa persistirá, banhada em uma luz nostálgica. Seus filhos, agora constelações dispersas, carregam em si a semente daquele espírito.
A casa não existe mais em tijolos, mas sua essência flui em nossas veias. As portas do ado permanecem entreabertas, permitindo que a brisa acolhedora, a melodia das lembranças e o eco do riso continuem a definir o verdadeiro lar. Uma casa que me legou a lição de que a maior riqueza reside em manter as portas da alma eternamente escancaradas.
"Na casa de portas abertas, onde o tempo não apagou as ilusões
E a alma reside sem porta ou guarida.
As paredes escutam a canção da brisa, e o vento vai entrando sem pedir licença
Vai revirando os retratos da minha memória
Nessa casa o sentir era constante
E quem a visita, com o coração aberto,
Sente a presença de um espírito liberto.
A casa sem porta, sem muro ou fachada,
É o próprio coração, em sua jornada.
Assim, na morada onde a alma reside,
Aberto ao sentir, sem temor ou disfarce.
A vida se revela, em cada batida,
Na casa da alma, que não tem fechadura"...