Deus, como se tem dito ultimamente, “não tem um segundo de paz”.
Deve ser difícil ser Deus.
Do dia em que o homem ficou sabendo que Deus tudo vê, ouve, sabe, e, principalmente, pode, Aquele não teve sossego, pois é chamado para resolver tudo em razão da tamanha terceirização que o ser humano faz do seu poder de decisão, representada pela famosa frase “vou colocar nas mãos de Deus”.
Sempre imagino como deve ficar Deus em final de campeonato de futebol com os dois times pedindo força, saúde, disposição e o título do campeonato.
Se o homem pede interferência de Deus para tudo, não ficaria de fora o campo da vida do trabalho, principalmente naquelas situações de um empregado estar em uma empresa há muitos anos, décadas, e ambas as partes – ele e o patrão – não quererem mais continuar o contrato, um não “aguentando” mais o outro, ou por questão pessoal ou profissional (e financeira).
Porém, justamente em virtude das décadas de contrato, e se nenhuma das partes der causa para o rompimento culposo do contrato, nenhuma delas toma a iniciativa do rompimento porque o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) do empregado, depositado todos os meses de seu longo contrato, chega a valor elevadíssimo. Se a empresa romper o contrato sem justa causa tem que pagar ao empregado, e à vista, uma multa em valor muito alto, calculada (40%) sobre o saldo que o empregado tiver no FGTS, fora outros direitos do “acerto”. Se o empregado pedir demissão perde justamente essa multa, além do saque do valor do FGTS e do seguro-desemprego.
É aí que Deus entra! Ou melhor, é chamado para entrar...
De um lado, provavelmente à noite antes de dormirem, o patrão reza para que o empregado peça demissão e não precise pagar a multa, e ao mesmo tempo o empregado ora para que o patrão lhe mande embora e receba a multa.
Com perdão ao sacrilégio, coitado de Deus. Tanta coisa a resolver e ainda é chamado a decidir de futebol a fim de emprego.
Como Deus deu ao homem o livre-arbítrio, Ele vai deixando aos dois que resolvam, e é aí que por vezes (não se pode generalizar!!!) surge uma batalha silenciosa – quase que psicológica – entre patrão e empregado.
O patrão começa a dar uma forçada para que o empregado peça demissão, mas sem forçar demais para não caracterizar assédio moral que dê a esse o direito de romper por culpa daquele, recebendo a multa e outros direitos (rescisão indireta). O empregado por sua vez começa a fazer “corpo mole” para ser dispensado, mas não tão mole para não caracterizar a desídia e ser dispensado por justa causa, perdendo a multa e quase todos os outros direitos do acerto.
Mas não precisa chegar a esse ponto e, principalmente, é possível liberar Deus dessa confusão.
Desde a “reforma trabalhista” em 2017, a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) prevê o distrato como modalidade de extinção do contrato de emprego, ou seja, o fim do contrato por acordo entre as partes. Por ser acordo ambas “abrem mão” de certos direitos e valores, sobretudo, e justamente, com relação ao valor da multa que cai para a metade (20%), isto é, o patrão não se livra de pagar a multa, mas a paga em valor menor, e o empregado a recebe em valor menor, mas não a perde, além de receber outros valores (direitos) também (menos o seguro-desemprego e saca só até 80% do FGTS).
Pelo menos com relação a esse assunto, que tal deixarmos Deus em paz?
Amém!