Na semana seguinte à primeira consulta com o psicanalista, o taciturno enviou, via correio, longa e derradeira manifestação do seu espírito, acerca de sua dificuldade com as palavras e demais convenções sociais, bem como, é preciso dizer, densas e complexas reflexões existenciais. Como se segue:
“Caríssimo artista das almas insólitas, é com certa ironia que agora me dou a escrever cartas, com as que, gentilmente, me solicitou em nosso primeiro encontro. É preciso dizer, de antemão, que sua gentileza me pareceu ríspida e um tanto desrespeitosa, para dizer o mínimo, pois, veja bem, o procurei obrigado pelas circunstâncias, e você me pareceu tão pedante e doutrinário com suas verdades científicas, que, na realidade, não am de arraigados dogmas sociais que tudo me pareceu um grande equívoco.
Explico. Qual o mal pode existir naquele que abriu mão das palavras, não por problemas psíquicos, como todos imaginam, mas simplesmente por desprezo às convenções sociais? Suas palavras, jovem psicanalista, para mim, soou muito ofensivas e não muito distantes dos inquisidores de outrora. Não manifesto problemas psíquicos, que, ademais, não parecem ausentes em sua pessoa. O melhor seria, em todo caso, que reconheçamos, a todos, o quanto essas normas nos adoecem, constantemente, não só essa que envolve as palavras e a conversação, mas, todas as demais, sofríveis, que acatamos cotidianamente, sem pensar.
Eu não me submeto mais a esses dissabores, estou bem, me sinto feliz e converso e falo normalmente, sempre que me apraz, em companhia dos meus [que essa informação chegue aos meus superiores, faço questão], mas não mais o farei em ambientes sociais, no trabalho, sobretudo. São subterfúgios para questões muito mais assombrosas e densas, submersas em nossas almas, caro psicanalista. Todos enxergam a ponta do iceberg, quando, em verdade, devemos analisar a parte submersa do nosso ser. Tenho feito isso desde há muito, e embora faça constantemente a mesma pergunta sobre o que é existência, nenhuma resposta posso receber.
Você, por acaso, teria alguma? Sabidamente que não e certamente, não sabe o porquê, não é mesmo? Essa resposta não existe, ainda, nem na filosofia, nem na ciência, muitos menos na psicologia. Talvez ela esteja dentro de nós e reconheço todos os esforços empreendidos nesse sentido em todas as incontáveis sessões psicanalíticas que enfrentamos, coletivamente, nos divãs e na própria vida. Eu parei de falar, quando me convém, já o reconheci, por duas razões. Primeiro que me cansei e segundo porque prefiro, no lugar das conversações, o diálogo com meu eu, com a minha própria consciência, que me concede, a todo instante, lúdicos e frutíferos momentos de reflexão.
Vocês não entendem o que é isso, nem mesmo aquele que narra minha história o sabe, e no meu íntimo, mesmo eu tenho razões para certa incompreensão da natureza da nossa alma. Espero, sinceramente, que essa o receba bem e que, minhas singelas palavras o façam refletir, também a você, a respeito de todas essas dificuldades, que todos temos, em compreender a vida. Do seu Taciturno.