Na tarde desta terça-feira (3), o jornal O Imparcial teve a honra de receber em sua sede o secretário de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, Fábio Prieto. Em uma entrevista exclusiva, o secretário abordou temas cruciais de sua pasta, desde a defesa dos direitos humanos e o complexo desafio das cenas abertas de uso de drogas na capital, até as metas e investimentos previstos para o interior paulista. Confira a seguir a íntegra da conversa.
O Imparcial: Então, prazer receber hoje no nosso jornal, o secretário de Justiça do Estado de São Paulo, Fábio Prieto. Vamos bater um papo aqui abordando temas relevantes da pasta.
Fábio Prieto: Eu que te agradeço, ainda mais de saber da história maravilhosa desse jornal, da tua participação e de outros funcionários, jornal que tem uma linda história desde 1939, o ano que nasceu minha mãe. Vocês são um verdadeiro patrimônio, então, pode ter certeza que o prazer é meu.
O Imparcial: Secretário, a promoção e defesa dos direitos humanos é uma das bandeiras da Secretaria de Justiça. Quais são as principais iniciativas e programas que a pasta tem implementado para garantir esses direitos no Estado, especialmente para as populações mais vulneráveis?
Fábio Prieto: Bom, a gente se preocupa em fazer uma divulgação geral da política do governo, que isso é um pouco da ala da cidadania que está comigo aqui, divulgar o que o governador entende, aquilo que é bom pra cidadania. Então, de certa forma, eu tô sempre falando aí dos programas que o Tarcísio tem feito nas várias áreas, que é uma função do secretário da Justiça histórica, muito relacionada à cidadania. E aí você tem alguns programas específicos da Secretaria. Aí você tem as coordenadorias das comunidades negras, da diversidade sexual, temos uma entidade muito bacana, o Fórum Inter-religioso, tem todas as religiões representadas.
E, demos uma outra dimensão à Coordenadoria das Comunidades Indígenas. A gente tem uma visão, que vem do Tarcísio, de mim e dos outros secretários, de que aqui em São Paulo ninguém é inimigo de ninguém. O que as pessoas não têm às vezes é apoio, e às vezes tão em situação desfavorável, é isso que a gente tem que resolver. Então nós demos autonomia e criamos uma Coordenadoria das Comunidades Indígenas. Nomeamos um cacique formado na USP. A USP tem um curso de pedagogia direcionado às comunidades indígenas, muito bacana. Eles se formam na nossa cultura e na cultura indígena e dão aulas nas escolas das comunidades indígenas. Então nós nomeamos esse cacique que tem esse curso superior. É uma pessoa muito bacana.
Criamos o programa Guardiões da Floresta
em que as comunidades indígenas são
treinadas para patrulhar a Mata Atlântica
E estamos fazendo um grande trabalho com o Tarcísio. Criamos o programa Guardiões da Floresta, que é um programa em que as comunidades indígenas são treinadas lá na Mata Atlântica, já no Vale do Ribeira, pra utilizar drone. Você está vendo o drone utilizado em guerra, nós estamos utilizando o drone com as comunidades indígenas. Elas são treinadas e patrulham a nossa Mata Atlântica e o Vale do Ribeira ainda. Com isso, quando eles percebem alguma coisa de dano ao meio ambiente, já comunicam imediatamente a polícia ambiental. Porque você tinha um problema nisso. Quando um cidadão qualquer comunicava à Polícia Militar, no litoral, no Vale do Ribeira, que são áreas muito grandes, aquele boletim de ocorrência ficava ali no meio daquela confusão, depois de quatro, cinco anos, ia pro promotor. O promotor, depois de três anos, entrava com uma ação. Aí ele pedia uma liminar. O juiz depois de dois meses dava liminar. Ou seja, depois de oito, dez anos, você ia olhar o dano que já aconteceu. Chegava lá, a área já estava toda devastada. Nós criamos um sistema em que, visto o dano, já liga pra Polícia Ambiental, nós vamos na hora lá.
E o que é importante, além de ser um modo eficiente de proteger o meio ambiente, a gente também está fazendo um programa de renda para as comunidades indígenas. Isso que é importante. Nós precisamos entender que a comunidade indígena, quando ela convive já nas cidades ou nas áreas rurais, ela começa a ter aspirações como as nossas. Ela quer vacina, ela quer escola, ela quer uma casa decente, o que é natural, como todos nós queremos também. Então, nós temos uma visão de integração.
Inclusive, é bom dizer que essas comunidades indígenas têm duas fazendas aqui no interior. E nós estamos mobilizando, inclusive aqui o [Guilherme] Piai, que é aqui da cidade de Prudente, nosso amigo, secretário da Agricultura, o Piai tá ajudando porque nós vamos fazer um programa, ajudar no desenvolvimento, na exploração dessas fazendas das comunidades indígenas.
Estamos fazendo um programa de
moradia para as comunidades
indígenas e agora vamos fazer
para os Quilombolas também
Vamos fazer agora moradia para os quilombolas. A gente ouve falar dos problemas dos quilombolas, parece que é um problema que envolve milhões de pessoas. Não é! São pessoas que vão receber uma moradia social, como milhares outras aqui na cidade de São Paulo. Aquilo ali é um problema, na verdade, que as pessoas às vezes têm dificuldade de entender, é natural. Quando você faz uma licitação para construir alguma coisa, você pega um número determinado de unidades. Se for muito pequeno, a empreiteira não consegue entregar a obra, ela é economicamente inviável. Então, esse problema vinha aqui andando e a gente não conseguia, o Estado não conseguia fazer essas construções. O nosso governo mudou o sistema. A gente fez um pool de empreiteiras lá na região. Porque você tem que às vezes construir três casas aqui, duas casas a 40 quilômetros, estrada de terra, o caminhão não anda, é complicado. Então a gente criou um pool de empreiteiras mais forte, e agora a gente acha que vai conseguir entregar, o Tarcísio vai conseguir entregar isso. Estamos fazendo um programa de moradia também importante para as comunidades indígenas, está funcionando muito bem. Enfim, estamos fazendo um monte de coisas nessa visão da integração, que é a mensagem de São Paulo, que é a história de São Paulo. A gente aqui em São Paulo integra todo mundo. São Paulo virou o que é porque integrou todo mundo e integra.
O Imparcial: A questão da população em situação de rua é um desafio crescente. De que forma a Secretaria de Justiça, em conjunto com outras secretarias, tem procurado oferecer e jurídico e social a essa parcela da população?
Fábio Prieto: Primeiro, falar das cenas abertas de uso, separar isso da população de rua. As cenas abertas de uso é o que a população ouviu 30 anos ser chamada de Cracolândia. Nós não chamamos aquilo de Cracolândia, porque a gente acha que aquilo não é diversão. Ali morreu gente, ali nasceu criança dentro da Cracolândia, de pais e mães viciados. Achamos crianças lá que nunca tinham saído da Cracolândia, para você ter ideia da gravidade disso. Então, o Tarcísio resolveu enfrentar esse problema de 30 anos. Nós fizemos esse programa muito amplo. Levamos medicina, assistência social, estruturas de trabalho, estruturas de moradia social, polícia. O centro de São Paulo hoje tem três batalhões da Polícia Militar.
Chamamos o Ricardo [Nunes] para trabalhar com a gente, o prefeito de São Paulo, que tem uma relação muito boa com o Tarcísio. Nós secretários somos todos amigos, e juntamos a força da Prefeitura com a força do governo do Estado. E depois demos voz às comunidades, porque você pega, liga a televisão, tem movimento lá que defende a manutenção da Cracolândia, acredite se quiser, da droga, da violência, de tudo que aquilo representa. Mas as comunidades, as pessoas que moram no centro, nos cinco bairros que compõem o centro, elas não tinham voz. Nós fomos lá ouvir essas pessoas, ouvir as associações de condomínios, as associações de bairro lá do centro, e nós juntamos o Estado, a Prefeitura, essas associações e as entidades privadas de assistência que atendem a população de rua e também tentavam ajudar ali nas cenas abertas de uso, e nós tivemos uma força muito grande nisso.
Nós estudamos os 10 maiores programas de drogas do mundo antes de começar. Estudamos Nova York, estudamos Portugal, estudamos Amsterdã. Quando você estuda um programa de droga, não é prender ou soltar alguém ou mandar para o manicômio ou coisas parecidas. Essas figuras que às vezes você ouve falar, parece que é uma coisa assim, você aperta um botão, comete uma violência e resolve algum problema. Não se resolve nada assim. Primeiro, aquele fluxo era uma coletivização forçada das pessoas. A pessoa chegava ali com nome, sobrenome, F, uma história pessoal, familiar e social, e quando ela entrava no fluxo, ela virava o homem fluxo, o homem nada, a mulher nada, a criança nada. O que que nós fizemos para começar? Resgatar a dignidade da pessoa humana.
Nosso programa para a Cracolância
respeita e resgata a dignidade da
pessoa humana: vai entrar para a
literatura social do mundo
Botamos médico lá. O médico atende aquelas pessoas como atende você na clínica particular. Cada pessoa ali tinha uma ficha médica, uma história, voltou a ter nome, sobrenome. Começamos a ouvir a história das pessoas, por que que elas foram parar lá. Com isso, nós conseguimos trazer essas pessoas de volta à própria identidade delas, descoletivizar. A droga e as ideologias equivocadas fizeram ali uma coletivização forçada. A nossa visão é o contrário. A nossa visão é do ser humano, do indivíduo, da história da pessoa. Então a gente foi resgatar isso. Criamos hub de cuidados médicos, organizamos uma estrutura hospitalar, casas terapêuticas. Com isso, fizemos mais de 20 mil atendimentos médicos esses dois anos ali, no silêncio, e ouvindo muita besteira. Nós atendemos mais de 20 mil pessoas no serviço médico, que é extremamente complexo, com atendimento ambulatorial, casas terapêuticas e hospitais.
Dessas mais de 20 mil internações, você sabe quantas foram compulsórias? Duas. Duas. A Lei Serra prevê três tipos: a voluntária, que foi o grosso do que fizemos, quando a pessoa pede para ser tratada. A segunda é a involuntária, quando a família pede ao médico. E a terceira é a compulsória, quando o promotor de Justiça pede ao juiz. Então essa compulsória não é que alguém foi lá e pegou a pessoa na rua; é porque o juiz mandou internar essas duas pessoas para salvar a vida delas. Esse programa foi feito respeitando e resgatando a dignidade da pessoa humana, isso é importante. Isso vai entrar para a literatura social do mundo.
Quando a pessoa começa a se recuperar, nós procuramos a família, depois damos um emprego precário, de três, quatro horas, porque o crack destrói a capacidade de ter uma atividade constante. Depois a gente vai avançando até levá-la ao trabalho normal. E no último dia, estavam lá cinquenta e poucas pessoas. Nós monitoramos aquilo todos os dias. Um pouco antes, prendemos os traficantes da favela do Moinho, que era o grande entreposto de droga a céu aberto da América Latina. Quando nós prendemos o traficante do PCC, cortamos a cadeia de suprimento da droga e pusemos uma viatura na frente de cada biqueira. Então, aquelas últimas cinquenta e poucas pessoas foram e procuraram atendimento médico. Mas cinco ou seis ainda ficaram vagando, e quem quer falar mal do programa tirou fotografia e falou: "A Cracolândia está se espalhando". A gente sabe que isso é do jogo. Há partidos políticos que acreditam na droga, nós não acreditamos.
O Imparcial: Sr. Secretário, quais são as metas e prioridades da Secretaria de Justiça para os próximos anos?
Fábio Prieto: Eu visitei várias vezes Presidente Prudente quando fui desembargador federal. E agora estou voltando aqui por quê? Porque nós vamos inaugurar equipamentos que são pagos por um fundo chamado FID, Fundo de Interesses Difusos. Esse fundo está na minha secretaria e eu presido o conselho que decide como esse dinheiro é aplicado. Nós aprovamos um recorde agora de projetos. Aprovamos 270 projetos, investindo R$ 238 milhões, o grosso é no interior do estado de São Paulo.
E eu venho inaugurar aqui dois equipamentos, em Canitar nós vamos inaugurar uma praça toda renovada no centro da cidade, e em Santa Cruz do Rio Pardo nós vamos inaugurar uma usina de lixo reciclável. O problema dramático de poluição no Brasil é nas cidades, porque não tratamos o lixo nem oferecemos saneamento. O Tarcísio, com a privatização da Sabesp, vai resolver o problema do saneamento básico. O outro problema da poluição urbana é a falta de tratamento do lixo. Por isso que essa inauguração da usina é importante. A gente vai começar a convencer os municípios que eles precisam tratar o lixo.
Eu fiz uma carreira toda no Judiciário,
na magistratura e no MP. Único legado
que quero deixar é ajudar o Tarcisio
O Imparcial: Sr. Secretário, que legado o senhor pretende deixar à frente da Secretaria da Justiça?
Fábio Prieto: Olha, eu pretendo ajudar o Tarcísio, é o único legado que eu quero. Eu fiz uma carreira toda no Judiciário, na magistratura, no Ministério Público. Esse é o meu mundo. E eu votei no Tarcísio muito convicto, porque acho que o Tarcísio trabalhou com três presidentes da República, completamente diferentes um do outro – a presidente Dilma, o Temer e o Bolsonaro – e trabalhou muito bem com os três, o que mostra uma grande capacidade de adaptação e de execução. Então, eu acho que o Tarcísio é uma coisa nova, muito interessante. Para minha surpresa, o Tarcísio foi me chamar nessa aventura aqui. E eu entrei por causa dele mesmo, porque hoje exercer um cargo público no Executivo é uma coisa muito arriscada. Mas eu fui trabalhar com ele e vou te dizer uma coisa: não me arrependo. O que eu vi no Tarcísio esses dois anos e pouco que estamos juntos, e nos meus colegas, no Piai aqui da região e outros secretários como eu, me anima ou me reanima. Na verdade, já estava desanimado, pra te dizer a verdade. Eu acho que o Tarcísio está trazendo um novo ânimo pelo que ele está fazendo, pela personalidade dele, muito diferente, tranquilo, afirmativo, executivo. Então, o meu legado é tentar ajudar um pouquinho o Tarcísio no que eu puder.
O Imparcial: Sr. Secretário, encerrando, o jornal Imparcial sente-se honrado em receber sua visita aqui e agradecemos a deferência dessa entrevista exclusiva.
Fábio Prieto: Não, eu fico contente aqui e quero voltar ao Imparcial mais vezes. É muito bom, como eu te disse no começo da entrevista, que a gente mantenha essa rede de jornais e de rádios no interior de São Paulo. Isso é uma riqueza extraordinária, uma riqueza de informação, uma riqueza cultural, uma riqueza histórica. Então, a gente tem que fazer um esforço para ajudar, prestigiar e ouvir as críticas também, porque vocês são uma espécie de filtro, né? É importante a gente saber o que vocês pensam também lendo o jornal. E para mim é um prazer estar aqui e desejar tudo de bom a vocês e a todos os nossos amigos aqui em Presidente Prudente na região.
Fotos: Sinomar Calmona