Sentado no banco da praça, de pernas cruzadas e com cigarro aceso entre os dedos, camisa social e gravata, com nó levemente solto, calça social cinza e sapatos de couro, novos e brilhantes, o homem parece absorto em seus pensamentos. Leva o cigarro à boca em movimentos lentos, contemplando a realidade e saboreando a vida. Poderia estar ali já há algum tempo, mas não parecia cansado. Olhava à sua frente e podia enxergar muita coisa.
Alguns pequenos pássaros, de um verdinho amarelado, iam ter com ele, dando voltinhas no chão, fazendo pequenos voos, sempre com cantinhos sonoros que parecia lhes dar algum prazer. Ficavam por ali, entre seus pés, e com seus voozinhos, podiam, até mesmo, alcançar a cabeça do homem, do qual desviavam em curvas rápidas, para depois fazer o pouso com suavidade para voltarem a cantar. Era divertido e essas alegrias faziam a beleza daquele final de tarde.
Um guarda, que o observava de longe, se aproximou e parou à sua frente, dizendo em seguida:
_ Sabes que é proibido distrair-se nessa nobre jurisdição, caro senhor?
Surpreso e contrariado por ter sido interpelado com assunto tão comezinho, ainda mais em momento sublime como aquele que experimentara, o homem só pôde responder, em palavras rebuscadas, com outras perguntas, como se segue:
_ Pois bem, não me fora informado, por nenhuma autoridade, legislação ou instituição, de absurda e semelhante proibição? E considero, até mesmo, uma ofensa da sua parte, dirigir-me a palavra para disparate dessa magnitude. Como é possível que se proíbam os cidadãos de estarem a sós, pensando um pouco, a distrair-se com pássaros? E outra, eu acabo de sair do trabalho, como deve ter notado, e existe crime nisso?
O guarda, ao contrário, manteve-se imível, uma das mãos para trás das costas, outra gesticulando, seguindo os movimentos da fala:
_ Veja você, caro cidadão, se olhar à sua volta e notar as pessoas com as quais agora dividimos nosso espaço público, tu verás, o quanto, todos estão ocupados com seus smartphones. Observe, veja como trabalham, se divertem, têm em seus olhos o brilho da tela, com seus games, vídeos e redes sociais. A vida se a ali, e todos precisam colaborar com sua parcela de alienação. Desse modo, perceba o absurdo de seu comportamento rebelde, estar aí, a contemplar um belo final de tarde, com o nó da gravata nesse desleixo, é possível até aventar a possibilidade que o senhor estivesse, veja só o absurdo, a pensar? É isso, não é? Você pensava em algo e isso é inissível. Levante-se agora mesmo e me acompanhe.
_ Como assim? O senhor enlouqueceu? Estamos então proibidos de pensar? E como podem ter certeza de que o fazemos?
_ Acalme-se, absorto cidadão. Os crimes do pensamento são todos monitorados pelos nossos smartphones e você vem sendo acompanhado há dias, desde que limitou o uso do seu telefone e deu-se ao luxo de pensar, de vez em quando, por si próprio. Agora, levante-se, ninguém pode ficar assim, à vista de todos, sem uma tela colada em seu rosto.