O pai era um homem do campo, da lida diária com as durezas da fazenda, da vida errante, do estar no mato quase a vida toda. Nascido em Olinda, veio ao interior de São Paulo fugido do cangaço, dizem, que fugindo do famoso grupo de Lampião. Tiveram problemas, venderam as terras e para cá vieram tentar outra vida. Aqui não compraram terras, eram, possivelmente, da turma pobre da família, os destituídos. Os demais conseguiram, não sabemos exatamente como, e ainda são ricos. Ele não.
Trabalhou desde os 8 anos de idade, começou ajudante de tropa, depois responsável pela boia e com 20 anos, deixou de ser cozinheiro para ser tropeiro. Profissão incrível, de muitas histórias e aventura. Trazer 500 cabeças de gado de Mato Grosso até o sertão paulista levava, em média, quatro meses. A cavalo, de burro ou de mula, o dia ava lentamente e a viagem seguia o ritmo dos animais, que andavam enquanto pastavam. Lindos finais de tarde atravessando fazendas, sítios e campos abertos. A travessia dos rios, a boiada afoita, temerosa. Os bois desgarrados, as perseguições, as laçadas e a volta ao grupo.
Depois era café, arroz tropeiro, cachaça e tabaco farto. Nacos de carne assados no chão, cortados à faca grande, quase um facão, que todos levavam na cintura. Conversas e causos, algumas risadas e nenhum palavrão. O pai era macho, homem duro, criado assim, longe da mãe, sempre perto de homens feitos, tão duros quanto ele. Tomadores de cachaça, adocicada pelo tabaco. Não itia palavrão na tropa, nem desavença, brigas de jeito nenhum, autoridade da bala e do homem. Era homem forte, bem mais que 1,80 metro, pele morena, olhos grandes, mão de ferro.
Era opressor, como deveria, ser chefe tem disso, 20 homens, 500 cabeças, cobiça e pobreza, riqueza do patrão indo e vindo. Autoridade vinha naturalmente, da lida, da vida dura, da realidade do sertão paulista, por isso, raramente são vistos sorrindo, em fotos e memórias. Homens que amansam cavalos impõem medo e terror àqueles mais fortes do que ele. Certa vez, seis ou sete manga largas corriam selvagens no curral, bravos, furiosos, bufando e batendo os cascos no chão, poeira levantada pela fúria dos animais que queriam apenas ser livres.
O pai entrou no curral sozinho, com o chicote. Parecia um gigante em meio às feras, que o conheciam e o odiavam. Avançavam contra ele, que os repudiava com estaladas doídas do chicote. Era possível ouvir os estalos nas costas, ás vezes na cabeça dos animais. Esses choravam e com raiva indescritível recuavam e o cercavam novamente. O homem ocupava o centro do curral e avançava sobre eles sem medo e dor, como animal dominador, com a manada correndo em círculos com energia e furor.
Batia neles com ódio e aos poucos os foi domando. Um por um, submetidos, submissos, com raiva, bufando e obedecendo. Alinhados em sua frente, bufavam, batiam os cascos, mas não saíam mais do lugar. O vencedor gritava com eles, os repreendiam, e aos obedientes fazia afagos no nariz, repelidos com cabeças balançando e bufadas longas. Violência cotidiana da vida sertaneja.